terça-feira, 26 de junho de 2012

Dr. Ana Primavesi




A compleição franzina, a voz mansa com pronunciado sotaque - apesar dos seus quase 60 anos no Brasil -, quase conseguem dissimular o vigor e a capacidade crítica de uma das mais respeitadas defensoras da agricultura orgânica na atualidade. Quase, pois a austríaca Ana Primavesi não dá tréguas à chamada agricultura convencional que, para ela, “é a arte de explorar solos mortos”. Em suas andanças pelo mundo, quando lhe perguntam sobre problemas relacionados à produtividade da lavoura, ela invariavelmente responde: “Olhe a raiz. É nela que você descobre o que a planta está sentindo”. É dela também a frase: “Se a planta está doente, procure saber o que causou a doença antes de tentar curá-la”.

Nascida de uma família de agricultores no vilarejo de St.Georgen Ob Judenburg, no sul da Áustria, Ana Primavesi cursou Agronomia em Viena e casou-se com um colega de profissão. No final da segunda guerra, quando os soviéticos ocuparam parte do país e começaram a confiscar as propriedades rurais, decidiram vir para o Brasil. Desde aquela época Ana Primavesi já contestava as técnicas estabelecidas, procurando se orientar pelos sinais que o solo oferece. Ela esteve em Macaé recentemente para proferir palestra durante a Feira Macaé Sempre Verde, a convite da revista Visão Social e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.

Para diagnosticar problemas do solo. a Dra. Ana ainda utiliza técnicas milenares, como cheirar a terra para saber se a matéria orgânica foi enterrada profundamente e sentir entre as mãos sua textura como indicativo do equilíbrio de nutrientes. Por isso, afirma que a agronomia que pratica “não compete com as leis da natureza”, sendo considerada uma das pioneiras da agroecologia no país, ciência que leva em conta o restabelecimento ou a conservação do solo permeável protegido por uma vegetação diversificada. Ou seja, extrair dos recursos naturais as condições ideais para o desenvolvimento das lavouras.

Matando o solo para preservar a indústria

Para Dra. Ana, os métodos de cultivo da terra em 1945 eram mais avançados se comparados aos dos dias de hoje, porque os homens não tinham optado pela monocultura. “O plantio único nos trouxe uma avalanche de doenças aplacadas por agrotóxicos”, sentencia. E complementa: “O adubo químico é basicamente formado por três elementos e a planta necessita de 45”.
Suas palestras na América Latina, Europa e Ásia causam furor, principalmente quando aborda criticamente a chamada “revolução verde” que, segundo os defensores da agricultura convencional (ou química), garantiria alimentação para as próximas décadas. “Na verdade – diz Dra. Ana – a agricultura química sacrifica a terra e a água. Com ela a terra só produz de sete a oito anos, depois morre. E será preciso despejar toneladas de produtos para produzir um alimento pobre em proteínas, como acontece nos Estados Unidos”.

Para a agrônoma, a “revolução verde” não foi feita para produzir mais; ela foi feita para salvar a indústria norte-americana do pós-guerra. “Eles falaram nessa ‘revolução’ porque queriam vender para a agricultura as máquinas e os produtos químicos que sobraram. Logo depois da guerra, a indústria norte-americana tinha estoques enormes de substâncias venenosas feitas para matar o inimigo. Eles usaram, por exemplo, o fósforo sobre a população civil e é uma coisa horrível. A pessoa que recebe fósforo pingado começa a se desidratar e diminui de tamanho, sentindo dores tão fortes que só pensa em se matar”.


Diante desses estoques sem utilidade, alguém lembrou que a agricultura não utilizava praticamente nada da indústria e começaram a convencer os agricultores a usar adubos, fertilizantes e agrotóxicos. “Então, eles venderam primeiro o sistema de como tratar o solo, divulgando a calagem e, na verdade, começaram a matar o solo, jogando a terra morta para cima, atingindo o solo vivo. E o que ainda sobrou de matéria orgânica eles mataram com nitrogênio, não conseguindo recompô-la. Como a terra não tinha mais nada, estava morta, compactada, começaram a lançar fertilizantes. Foi todo um pacote destinado à agricultura convencional para dar enormes lucros à indústria, embora não fosse necessário”.

Subsídios bilionários

A indústria norte-americana voltou a crescer, pagando um volume enorme de impostos, mas agora – observa Dra. Ana, “eles têm a terra morta e o governo gasta US$ 300 bilhões por ano para subsidiar a agricultura”. O Brasil também foi considerado um mercado promissor para esse novo “conceito” agrícola. “Na época, enviaram milhares de americanos para cá a fim de convencer os produtores rurais a implementarem agricultura química e mecânica e conseguiram convencer o pessoal. Trouxeram fábricas de máquinas, adubos e agrotóxicos. Hoje a América do Norte vive super bem graças às suas indústrias instaladas no terceiro mundo, enquanto o Brasil, que tinha pobres, mas não miseráveis, está nessa situação”.

Ana Primavesi também tem uma postura bastante crítica em relação aos biocombustíveis, particularmente o etanol, cujo processo de fabricação, segundo ela, gasta mais energia e emite mais gás carbônico do que teoricamente a sua utilização nos veículos automotores poderia reduzir. “Primeiro a cana é queimada, depois queima-se novamente suas pontas e daí é entregue para as usinas, onde normalmente o produto é processado com carvão ou outra matéria orgânica, lançando mais gás carbônico na atmosfera. Portanto, o ato de produzir etanol contribui para o aquecimento global. E hoje, muitos que plantavam alimentos estão plantando cana em solos desgastados e que necessitam de muita química para continuar produzindo. É um desastre. Na Bahia, por exemplo, arrancaram todos os cultivos destinados à alimentação e estão plantando cana ”.

A agricultura convencional, segundo Dra. Ana Primavesi, também ameaça o ciclo hidrológico em regiões de cultivo, agravando um fato que vem tomando proporções planetárias. “O problema está na penetração da água das chuvas no solo. Uma terra viva e protegida consegue infiltrar 400 milímetros de chuva por hora. A água vai para o nível freático e retorna como nascentes ou escoa subterraneamente para os rios. Mas com toda essa agricultura química, em que a terra fica dura, a água infiltra apenas sete milímetros por hora e o resto escorre, causando enchentes, erosões etc. As pessoas procuram resolver o problema sem olhar para o que o causou, fazendo curvas de nível, microbacias, represas, se esquecendo que de toda essa água represada 46 a 50% evapora. É praticamente nada o que eles captam”.

Alimentos saudáveis

É possível agricultura sustentável para alimentar toda a população humana, que tem aumentado a níveis alarmantes ? Dra. Ana responde: “Antigamente a população levava 200 a 300 anos para dobrar; agora dobra com 14 anos. A agricultura convencional destrói o solo, a água e produz alimentos excessivamente deficientes. Se uma planta tem um parasita, o parasita apareceu porque a planta está deficiente em alguns minerais. Não adianta jogar produtos químicos, é pura perda de tempo e de dinheiro. Tem que saber o que está faltando na planta para curá-la”.

Certo dia, um produtor rural chamou Dra. Ana para visitar sua plantação de crisântemos que estava definhando por causa da ferrugem. “Eu disse que crisântemo precisa de iodo e que ele deveria colocar em cada mil litros um pingo de iodo. Muito tempo depois retornei ao local e o proprietário me disse que nunca mais deu ferrugem em sua plantação e que ia muito bem de vida. Antes, ele havia feito duas pulverizações por dia de fungicida e não adiantou nada, pois a deficiência de iodo era forte demais. A agricultura convencional é uma enganação”.

Para a agrônoma, manter a população mundial bem alimentada não é tão complicado, bastando produzir alimentos saudáveis. “Com a má qualidade da alimentação que o americano produz, ele come 4 a 5 mil calorias por dia e ainda está subnutrido, porque não tem mais nada dentro dos alimentos. Se a cultura é feita com terra viva, a planta bem nutrida, sem deficiências minerais, com bastante proteínas e menos açúcares e aminoácidos, pode-se consumir menos calorias e estará bem alimentado. Na Indonésia, por exemplo, a terra é pouca e a alimentação tem que ter o máximo de valor biológico. A planta deve ser saudável, com 100% de valor nutricional, sem agrotóxicos, e lá eles se alimentam bem com apenas 800 calorias de produtos agrícolas integrais por dia. Aliás, nos primeiros quatro anos do pós-guerra, os alemães também viveram com 800 calorias por dia e conseguiram reconstruir seu país, que hoje é a segunda potência econômica mundial”.

“Transgênicos não resolvem nada”

Na avaliação de Ana Primavesi, o fato de se estar produzindo alimentos transgênicos não vai resolver os problemas dos agricultores em relação a pragas de quaisquer espécies. “Estão plantando soja transgênica contra o que ? Contra as plantas invasoras e as pragas que indicam algum tipo de deficiência de molibdênio, quando a soja passa a produzir dois ao invés de três grãos. Vai chegar um dia que teremos tantas espécies transgênicas que seremos obrigados a importar molibdênio. A guaxuma, por exemplo, é uma planta indicadora de solo muito compacto, que precisa de mais adubo, mais água e mais agrotóxico. Se a soja for bem nutrida, não terá esse problema”.

A agrônoma lembra que 80% dos casos é a raiz que não cresceu e quando isso acontece, indica que algo está errado. “Para que serve o transgênico ? Para matar as plantas indicadoras das carências, empurrando o problema para a frente, sem resolvê-lo. Planta-se milho transgênico contra uma espécie de lagarto. Mas por que o lagarto aparece ? Porque está faltando boro. Porque não olhar, então, o elemento que está faltando à planta ? Outras plantas são atacadas devido á deficiência de molibdênio, e por aí vai. Um dia o problema terá que ser enfrentado de frente”.

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